"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar."
Caius Julius Caesar

24 novembro, 2009

Mérito e sentido de Estado: procuram-se.

Portugal vai mal. Cada vez pior, dizem os números dos últimos anos (crescimento médio anual: 4 % (1980-1990); 2,5% - 3% (1990-2000); 0,8% (2000-2008)). A crescer, dizem uns irresponsáveis para ganhar votos. Importamos muito e exportamos pouco. Endividamo-nos para pagar juros. A máquina do Estado é demasiado pesada, sem que nenhum Governo consiga realmente levar a cabo uma reforma da Administração Pública; além disso, encontra-se excessivamente partidarizada: o mérito não mora aqui.
Nada disto seria problema se Portugal fosse um país atractivo para o investimento externo. "A nossa mão-de-obra é barata" dizia Manuel Pinho. Não venceu, nem convenceu. Demonstrou até um profundo desconhecimento da realidade internacional...se a mão-de-obra é barata, por que motivo as multinacionais mudaram as suas unidades de produção para países como a China? Pelo preço da mão-de-obra não vamos lá, como se vê. As apostas e respostas têm de ser outras. Cabe aos sábios nestas matérias encontrá-las. Cabe aos políticos criar as condições para as pôr em prática...
As respostas têm sido dadas em diversos fóruns de discussão, sendo o problema da Justiça permanentemente apontado como um dos factores que afasta qualquer estrangeiro de investir em Portugal. Como podemos nós querer que haja investimento num país em que nos arriscamos a esperar 20 anos para obter uma resposta definitiva dos tribunais?
Infelizmente, a classe política em geral, pouco ou nada tem contribuído para que tenhamos melhor Justiça. Arriscamo-nos a concluir que são dos principais interessados em que a Justiça não melhore. O mau exemplo vem de cima e é visível nos processos que têm envolvido destacados políticos, de diferentes partidos, nos últimos anos.
Nos últimos 5 anos a questão tem vindo a agravar-se: pela primeira vez temos um primeiro-ministro permanentemente envolvido em casos que não só descredibilizam as funções, como o país. Não precisamos de um primeiro-ministro engenheiro, mas convém sabermos se o é, desde logo para evitar que o tratemos como tal. Não ficámos, com a papelada apresentada na RTP pelo próprio, a saber se temos um PM engenheiro ou não. Não gostaríamos de ter um primeiro-ministro envolvido em esquemas de corrupção para licenciamento de outlets, mas, se tivéssemos, gostaríamos de saber. Não ficámos, com aquilo que foi apresentado nos órgãos de comunicação social, a saber se Sócrates está ou não envolvido. Com o fim do Jornal de 6ª feira de Manuela Moura Guedes, de forma repentina, estranha e, para alguns ilegal, menos ainda sabemos. Não precisamos - nem queremos - saber se o PM combina cafés ou fala de futebol com um administrador do BCP, mas convém sabermos se nestas conversas há matéria relevante, de que se possa concluir algo mais, designadamente a nível criminal. Não tivemos também respostas sobre isto, desde logo porque os juristas não se entendem sobre a competência ou não do Presidente do STJ, bem como sobre a legalidade ou não das escutas efectuadas. Aqui, em matéria penal, é lamentável que a lei não seja minimamente clara, e que provoque interpretações tão distintas. Na dúvida, seguiria a interpretação da Escola de Coimbra, pela tradição como escola de referência em Direito Penal, e de um dos seus mestres - Costa Andrade - ,bem como de Pinto de Albuquerque, que presidiu à comissão para a revisão do Código em 2007. Ambos discordam da interpretação do Presidente do STJ, que mandou destruir as escutas. Estranho. Remeto para os seus artigos a fundamentação, sem prejuízo do contraditório.
Mais celeridade no tratamento destes e de outros processos, sem intromissões do poder político em casos concretos, são elementos a considerar para o futuro.
Sócrates deveria ser a primeira pessoa interessada em esclarecer as dúvidas que pairam sobre o seu percurso. Sendo certo que não é arguido, tem responsabilidade política. É primeiro-ministro de Portugal, nomeado pelo Presidente da República, responsável perante este e perante a Assembleia da República, que é representativa de todos os cidadãos portugueses.
Lembro, por exemplo, o caso de António Vitorino, que perante as notícias que surgiram à data em que era ministro, preferiu demitir-se e esclarecer o assunto, de modo a não prejudicar todo um Ministério, um Governo, um País. Provou-se, aliás, que era inocente.
A forma como o PM tem conduzido estes "casos" não é benéfica para o País. Descredibiliza a classe política. Não contribui para resolver os problemas económicos, financeiros e sociais de Portugal.

5 comentários:

  1. "Estranho." É verdade que tudo isto é muito estranho. Mais estranho é quando a estranheza das ambiguidades que referes são provocadas por quem, a propósito e despropósito, adora invocar "o cumprimento da legalidade", e a obsessão com a legalidade, e a obsessão pelo respeito institucional [formal, vazio, bafiento].

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  2. Reflexão extremamente produtiva Gonçalo.

    Todos temos que exigir uma maior transparência na causa pública, na aplicação de fundos que são de todos, na nomeação de quadros e na aplicação da lei.

    Embora ache que exista muito ruído de fundo, com interesses menos claros por parte de alguns grupos e sectores da sociedade, a sucessão de "casos" e a exploração mediática que os mesmos têm sofrido já começa a desgastar a classe política como um todo.

    Só espero que o compadrio, o amiguismo e a teoria do "jeitinho" deixem de ser hábitos nacionais e que as maçãs podres sejam retiradas do cesto.
    O nosso comportamento enquanto cidadãos e futuros juristas deverá pautar-se sempre nesse sentido.

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  3. `Ó Divagador Daniel Reis!
    Ruido de fundo, onde?
    Pergunte lá na sua faculdade pelos casos que sofreram PRESCRIÇÂO neste País!! E pergunte lá a esses gajos engravatados e armados em sabicherdas do Direito, o que é que fazem quando o Tribunal Constitucional declara inconstitucionalidades e faz prescrever coisas tão ... insignificantes como a morte de um ser humano?!

    Nada desgasta a classe política! É a classe política que se desgasta a si própria, com os escandâlos que se encostam na prescrição.

    Veja lá se algum dos desgastados políticos já se lembrou de defender a imprescritibilidade de certos tipos penais, a saber ... a morte de alguém?!

    Não há ruído nenhum! Há é muita coisa escondida, bafienta e o dia que vier cá para fora, porque as bolhas rebentam, quero ver a cara desgastada desses imberbes que governam a nossa terra!
    Compadrio, amiguismo e jeitinho são realidades multiseculares. Não deixarão de existir. O problema é evitar que se propaguem... mas para isso é preciso parar a desinformação que nos chega com IP identificado.

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  4. De facto as ambiguidades são imensas... Mas ao certo o que sabemos nós meros mortais? As notícias surgem dia após dia sobre tudo e todos daí a saber distinguir a realidade da ficção vai um passo muito grande!
    Acho ainda muito curioso que não te lembres dos inúmeros escândalos que envolvem o Presidente da República no que diz respeito a acções da SLN/BPN e do mítico caso das escutas que culminou numa derrota para o PSD que ficou asfixiado na hora da verdade, apesar de todos nós nos perguntarmos como é possível existir um tão bom timming para o PS...
    Esse discurso típico de direita torna-se muito óbvio quando apenas referes escândalos nos quais o PM está envolvido... A questão essencial é: ele está envolvido ou a Comunicação Social surge como um terceiro poder com mais força ainda que o próprio Estado?
    Não retirando a razão das tuas dúvidas que são legítimas como cidadão português, responsável e preocupado mas não será que apesar do papel fundamental que os OCS têm no sentido de prestar informação e fornecer os conhecimentos factuais da realidade não estará em Portugal a ser exercido o poder de influenciar sem base em factos mas em divagações? O objectivo é um único: fornecer conhecimento de uma realidade constatável de forma isenta para que as pessoas possam fazer as suas diferentes interpretações dos factos... Será que é este o caso do jornalismo em Portugal? Isso não te preocupa?
    A realidade de cada um é aquilo que vemos e maior parte do que vemos acerca do que acontece é-nos fornecido pelos diferentes meios não podemos partir de generalizações abusivas como se fossemos donos da verdade..

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  5. Preservo, de facto, a figura do Presidente dos meus comentários. Não por ser do PSD, ou da direita partidária, mas pela sua condição de Presidente e por pensar que tem sido um referencial de estabilidade nestes últimos 4 anos. As preocupações que tem exposto são as minhas: que país queremos ter daqui a 5, 10, 20 anos? Por que país lutamos e trabalhamos? Um país mais competitivo e melhor ou um país que perde tempo com alegados temas fracturantes? Um país sem objectivos, rumo, plano, estratégia? Há que decidir.
    Termino citando T'ai Kung, estratega milenar chinês, tão actual nos tempos de hoje:
    "... onde as pessoas se confundem e agem sem consciência do que estão a fazer... Confuso e extravagante o seu amor pelo prazer...não tem fim. Este é sinal um Estado condenado!".

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