"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar."
Caius Julius Caesar

19 novembro, 2009

Ter filhos ou não ter

A reportagem que passou na RTP no programa Linha da frente ontem, 18 de Novembro, obrigou-me a tratar um tema que é urgente hoje e precisa de debate preocupado, soluções sérias e capacidade de abertura mental. Vale a pena ver a reportagem aqui.

Ela retrata quatro famílias: uma sem filhos, uma com uma filha, uma com um filho e uma filha e, finalmente, uma de seis filhas e quatro filhos. Mais profundamente, põe a nu e procura descortinar as razões para termos, em Portugal, um índice de natalidade tão dramático (drama que se estende por toda a Europa mas que, pelos vistos não preocupa toda a gente). O índice de fertilidade mínimo para a substituição das gerações (substituição, nem sequer é crescimento demográfico) é de 2,11 filhos por mulher. Actualmente vamos nos 1,36…

O modelo de família que o nosso século vê mais frequente corresponde ao das 3 primeiras famílias (a par das famílias monoparentais). Famílias com poucos filhos ou mesmo nenhuns (é isso uma família?) onde as razões para essa falta de filhos são:

- o dinheiro não chega para tudo;

- cada criança exige o seu tempo, tempo esse que, multiplicado por mais de duas crianças, não existe, numa sociedade em que homem e mulher trabalham a tempo inteiro;

- ter filhos implica abdicar da própria vida (projectos pessoais);

- os filhos tiram a “paz”.

Vejamos. O argumento de “o dinheiro não chega para tudo” é dado pelo pai de uma filha única que gasta cerca de 900 euros por mês na educação da menina (colégio, actividades extra curriculares), conduz um Audi A4 de 2007 (?) e trabalha num  escritório amplo e bem mobilidado (que parece ser uma divisão da casa). Quando a filha lhe pediu um irmão respondeu-lhe peremptoriamente que não podia ser… Quando lhe pediu um cão, ofereceu-lhe um porquinho da índia, com trela, para lhe fazer companhia. (as imagens da menina solitária a brincar com um roedor seriam deprimentes, não fosse mágica a imaginação infantil que em tudo vê alegrias). É claro que o dinheiro não chega para tudo! Nem o homem mais rico do mundo tem dinheiro para tudo! Não parece que esta família não tenha dinheiro para acudir a custos necessários com o cuidado de mais que um filho. Portanto, é inegável que esta família, não tendo falta de dinheiro, prefere ter mais dinheiro a ter mais filhos. Prefere o conforto material que o dinheiro proporciona à geração de vida humana. Será falacioso afirmar que ele é o verdadeiro materialista, vive para o dinheiro mas não suporta viver para mais que duas pessoas (a mulher e a filha, se não se divorciar entretanto)? Quando digo “esta família” estou a falar de milhares de famílias em situação idêntica.

O problema de não haver tempo para dedicar aos filhos é geral, numa sociedade em que homens e mulheres trabalham no mínimo 8 horas por dia. Na luta do feminismo, que é legítima quando se debate a dignidade da mulher, perdeu-se de vista a maternidade como vocação da mulher. Ela, ao tornar-se igual ao homem no mundo do trabalho (e tantas vezes com mais qualidade), não subiu ao nível do homem mas rebaixou-se naquilo que tinha de superior. Aquilo que tinha de sublime na sua natureza feminina, o ser mãe, abdicou em nome de uma igualdade que a prejudica e nem é assim tão verdadeira! De outra maneira: contra o desequilíbrio provocado pelo quase monopólio dos direitos civis detido pelos homens e pela mitigada protecção civil das mulheres, a que acrescia o direito natural a serem mães, a luta feminista pelos direitos civis das mulheres esqueceu a defesa do direito a ser mãe.

Essa luta tinha, necessariamente, que ser feita mas era uma luta de todos, homens e mulheres, em nome da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, não se nega que não se gostasse de ter mais filhos. Mais! Num estudo da Associação de Famílias Numerosas, é demonstrado que a maioria das mulheres que têm filhos gostaria de ter mais. Donde, se não têm é porque não conseguem ou não podem. E se não podem há de ser por razões económicas ou sociais. Repare-se que os exemplos da reportagem não são de pessoas que vivem na miséria e não têm condições objectivas para ajudarem filhos a crescer (e quantos não há assim?); são de pessoas que exigem um nível de vida superior ao aceitável. Repare-se também que disse nível de vida, não disse qualidade! Comparem a criança que fala do seu porquinho da índia e do irmão que não tem com a que fala dos seus nove irmãos…

Temos em mãos um problema que é grave. E ao qual se referiu o nosso Presidente da República na questão “O que é preciso fazer para termos mais filhos?”. Obviamente a pergunta não se referia a actos práticos mas à criação de condições para que esses actos práticos (cópula) possam gerar prole. O país precisa muito de filhos, sem eles seremos em poucas décadas um país de velhos, sem segurança social, sem força de trabalho produtiva e sem todo o leque de direitos e apoios do estado a que tanto nos habituou o estado social. Sem filhos nada disto é possível e teremos cada vez mais uma sociedade onde cada um se fecha em si mesmo, sem réstias de fraternidade (de frater = irmão). É claro que cada um é livre de contribuir, ou não, para a construção substancial da sociedade mas ao lado de todas as liberdades existe uma coisa muito incómoda que é a responsabilidade (susceptibilidade de dar resposta, responsum) e a responsabilidade de um colapso demográfico do nosso país é de todos aqueles que, ostensivamente, não querem e se recusam a ter filhos. Incluindo, de forma especial, aqueles que não querem ter filhos em nome dos seus projectos pessoais. E esses têm que assumir essa responsabilidade, muito mais porque é um preço que todos, mal ou bem, vamos pagar. Em que se concretiza essa responsabilidade? Não sei mas talvez comece por reconhecê-la.

1 comentário:

  1. Texto excelente caro Diogo.
    A aposta do nosso país terá que passar por mais apoio estatal à natalidade, através de várias medidas:

    Criação de um sistema nacional de creches onde os pais possam deixar as crianças enquanto trabalham;

    Escolaridade até ao 12º totalmente gratuita (transportes, alimentação na cantina...) e com materiais de estudo parcial ou totalmente pagos pelo Estado, principalmente a famílias numerosas ou abaixo de certos patamares de rendimento;

    Cortes fiscais significativos a famílias numerosas (três ou mais crianças);

    A estas medidas acrescem muitas outras que obviamente iriam aumentar os encargos estatais. Mas a continuar assim, daqui a 50 anos não teremos ninguém para financiar o Estado com impostos. Há que agir antes de chegar a esse estado de coisas..

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