"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar."
Caius Julius Caesar

09 maio, 2010

Breve nota sobre laicidade

Nos últimos tempos tem-se afirmado com veemência que o Estado português é laico. A afirmação serve para fundamentar alguma perplexidade por se permitir que os funcionários públicos faltem ao trabalho no contexto da visita do Papa a Portugal. Igual perplexidade, por o Estado ser laico, por se gastarem cerca de 200 mil euros (digo de cor) do erário público para custear a mesma visita. Agravam-se todos estes motivos com a crise, a necessidade de produzir, o combate ao absentismo, etc…

Diz-se logo: o estado é laico mas a sociedade não!

O argumento não convence, especialmente se não soubermos o que é a laicidade.

A laicidade do estado é a independência do poder político face às confissões religiosas. Assim, não compete ao poder político pronunciar-se acerca de convicções e práticas religiosas, da existência ou inexistência de Deus. Do mesmo modo, os líderes das igrejas e religiões não interferirão na condução dos destinos do Estado.

Dizer isto não é o mesmo que dizer que para o Estado Deus não existe ou que para o Estado é indiferente o fenómeno religioso.

Se o corolário da laicidade do Estado é que não existe um “Estado Católico” ou “Protestante” ou “Islâmico” ou “Judaico” também decorre que não existe um Estado Ateu ou Agnóstico. O Estado Português é laico, não é nem ateu nem agnóstico, e relaciona-se com as confissões religiosas. E relaciona-se, em especial, com a Igreja Católica. Não apenas por razões históricas (quer se queira quer não a nossa idiossincrasia nacional construiu-se na base de sermos ou termos sido um país maioritariamente católico) mas por muitas outras: sem a Igreja, Portugal seria hoje um país menos solidário, menos inclusivo e com menos oportunidades de dignidade para as pessoas. Só quem não conhece o país é que não sabe que a acção social da Igreja chega aos últimos, de quem muitas vezes o nosso querido Estado laico e social (muitos lêem como ateu, humanista e social) se esquece: aos velhos do interior deserto, aos órfãos, às mães solteiras e às mulheres que abortam, aos pobres, aos sem-abrigo, às famílias que têm fome, aos que sofrem com a droga. O que é mais curioso é que a acção social nem sequer é a principal tarefa da Igreja…

Portanto, quem reconhece o trabalho que a Igreja hoje faz no nosso país não estranha que o Estado deixe que os seus fiéis faltem ao trabalho por um dia e meio e que até alimente relações de cordialidade e cooperação com a Igreja.

Quanto aos 200 ou 500 mil euros, não nos preocupemos! Os custos vão ser cobertos pelos fiéis e o Estado ainda vai encaixar uns quantos milhares extra, graças às dezenas de milhar de peregrinos que cá vêm de todo o mundo..

1 comentário:

  1. Excelente texto. Tentei, juro que tentei, pegar em alguma coisa para "chatear" mas não consegui.

    A parte do estado ter lucro económico com a visita de Sua Santidade é, como tu bem sabes, no mínimos muito discutivel.

    No entanto é um promenor!

    Muitos parabéns, uma vez mais!

    ResponderEliminar